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Cire Ndiaye

A primeira autópsia médico-legal

Cire Ndiaye

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A primeira autópsia médico-legal

Data: 01/16/2023

Estive com o meu primeiro autopsiado.

A autópsia médico-legal é apenas realizada em situações de morte violenta ou de causa ignorada, assim como em incomprimento médico no preenchimento do certificado de óbito.

Estes são os casos de acidentes de carro, suicídio, basicamente se a morte tiver sido provocada por um fator externo ao de causa natural.

O meu primeiro autopsiado é um grande capítulo, nisto de ver cadáveres. Antes de mais deixem-me contar que o meu tio (trabalha na funerária e dá-me as aulas de tanatopraxia e tanatoestética) no domingo passado ligou-me, eu não vi a chamada, então, devolvi mais tarde. Quando ele atendeu houve uma breve pausa Talvez pelo facto de estar sem rede ou qualquer coisa do género, e logo de seguida disse-me: "Boas notícias! O fulano de Esposende sabe onde é que se arranja uma vaca sem brinco!"

Ter uma vaca era o sonho da minha mãe, então em meados de setembro decidi que lhe ia arranjar um bezerro custasse o que custasse, tivesse que pedir o dinheiro que tivesse. Ora portanto uma vaca ou um boi tem que se ver se se quer leiteira ou para carne porque cada qual tem o seu ofício e não se misturam. A mim pouco me importava, queria uma vaca ou um boi, tanto dá, para aparecer na meia noite do Natal ao portão da minha mãe, provavelmente com o amigo Jacinto vestido de Pai Natal, como fazia quando eu era canalha.

Sem brinco é importante, não só pra fugir ao fisco como para não ter que dar satisfações na hora da matança, o que ouvi dizer é que tens de chamar o veterinário para assistir à morte, e tudo o que implica outros tem custo.

Então o meu tio apareceu-me com esta bela notícia! Talvez haja um vaca, Talvez sem brinco, Talvez mais barata que os 1000€ que eu imaginava.

Os dias passam, passa o comboio na linha, a água no rio, a minha mãe a roupa a ferro.

Vem um novo dia: o dia a seguir do dia em que o meu tio disse que tínhamos "2 corpos para amanhã e se tivéssemos sorte ainda vinha o 3o que era um autopsiado".

Lá fomos nós rumo aos corpos, chegamos, naquele frigorífico cabem 4 corpos. Estavam lá os 2, desta vez ainda vestidos. Revimos as questões legais de como o corpo vem identificado, onde se deixam os múltiplos autocolantes com o nome e o porquê de serem emitidos mal alguém entra no hospital. Tiramos a roupa do cadáver e começamos a aula. LALALALALALA fomos almoçar.

A meio do almoço o meu tio recebe uma chamada de um colega a dizer que tinham tido a autorização e que o autopsiado estava a caminho dos nossos aposentos. Comecei a ficar nervosa, um autopsiado era o segundo degrau.

Procedimentos realizado em autópsia:
1. Pesagemdocorpo;
2. Análisedasvestimentas,acessórioseobjetosdevalor;
3. Identificaçãoderesíduosdepólvoraououtrassubstâncias;
4. Verificaçãodetatuagensoucicatrizes;
5. Detecçãodeferimentospréviosouquepossamtercausadoamorte;
6. Exameminuciosodosórgãosinternos.

Quando um vem de uma autópsia, é feita uma incisão ao longo do tronco em T, as costelas estão serradas em triângulo para melhor acesso à zona torácica (coração, pulmões) e, para muita pena minha, vem tudo à mistura. A cabeça é aberta e o cérebro vai para o abdômen aos pedacinhos, o fígado é fatiado assim como rins e coração e outros órgãos, até a língua ligada a uma coisa qualquer de meio metro que na altura não consegui identificar e agora também não está lá para dentro.

Basicamente encontramos uma grande mistura de órgãos aos pedaços, intestinos, tudo, e temos que tirá-los para um saco para podermos realizar os procedimentos de tanatopraxia. Tiramos tudo, limpamos com uma espécie de água oxigenada e um desinfetante, aquilo fica tudo branco como quando se deita a água oxigenada nas feridas dos vivos, depois deitamos os produtos afarinhados de conservação no corpo, e, nos sacos com os órgãos o mesmo produto mas em líquido. Fecha-se os sacos em vácuo, volta-se a por dentro do corpo e sutura-se tudo. (Fiz uma sutura maravilhosa no abdómen).

Durante a aula o meu tio estava a contar, a mim e aos meus colegas, que tinham tido outro corpo autopsiado à uns dias, disse até que me tinha ligado para perguntar se queria vir com ele mas que depois como sabia que eu tinha passado mal com um cadáver anterior, de uma senhora daqui de perto, decidiu inventar que tinha encontrado solução para a vaca (até hoje não encontrei onde comprar vacas sem brinco, mas também não procurei suficiente) disse que achou melhor não me ter dito na altura, porque era uma criança de 11 anos e fosse lá eu relacionar com um parente próximo.

Texto de Cire Ndiaye

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